15/10/2023
Dia do Professor também é data para lembrar das feridas da educação brasileira
Por Daniela Jacinto*, equipe Estudos em Sorocaba & Região
Dia do Professor quase chegando ao fim e as reflexões por aqui não param. É um dia de comemoração, graças aos muitos profissionais que fazem a diferença, porém é também data para refletir sobre as feridas da educação brasileira.
Esse artigo que aqui escrevo hoje, vem ainda reverberar temas abordados durante 7º Congresso Internacional de Jornalismo de Educação da Jeduca, ocorrido em São Paulo, no auditório da Fecap, nos dias 18 e 19 de setembro. Neste ano, o tema do congresso foi “Que sociedade queremos? O jornalismo de educação no debate nacional”.
Tive a oportunidade de participar como jornalista bolsista mas aproveitei muito também como professora. Por isso hoje é uma data propícia para retomar temas que me não saem da cabeça.
Assunto antigo e ainda não resolvido no Brasil, a ausência da história real do povo africano nos livros didáticos, principalmente informando sobre o projeto de extermínio dessas pessoas, que ainda continua em ação no nosso país, foi uma das dores expostas no evento.
Eu mesma admito minha ignorância e não sabia que na nossa própria constituição havia um projeto horrível, de eugenia, a ser desenvolvido nas próprias escolas!
Quem lembrou o público presente sobre isso foi a jornalista estadunidense Nikole Hannah-Jones, que criou o “The 1619 Project”.
Nikole participou do debate “Educação antirracista: A voz preta na história”, juntamente com Tiago Rogero, também jornalista e criador do Projeto Querino (Rádio Novelo).
Nikole é é repórter do New York Times Magazine, especializada em jornalismo investigativo com foco em temas como desigualdade, injustiça e racismo sistêmico.
O projeto 1619 lhe rendeu um prêmio Pulitzer e foi transformado em um documentário, finalista do Emmy 2023.
Primeiro, Nikole começou falando de seu próprio país. Conforme ela, não é possível entender o 6 de janeiro de 2021, data da invasão do Capitólio nos Estados Unidos, sem conhecer 1619. “Após Obama, muitos jornalistas brancos achavam que estávamos no pós-racial, apesar de todos os dados mostrando o sofrimento do povo negro.”
Nikole pontuou, no entanto, que que Obama não foi eleito pelos brancos mas sim por latinos, asiáticos e negros. Ao se tornar mãe e decidir escolher uma escola para a sua filha longe da segregação, que ela passou a contar a história de seu país por meio de sua própria história de vida. “Não foi o branco que criou a democracia na América. Pessoas pretas que viam essas ideias de liberdade. Os americanos pretos têm um relacionamento complicado com a nação. É difícil sentir patriotismo quando não somos tratados como seres humanos.”
Já o Brasil, afirmou Nikole, sustenta até hoje um projeto de extermínio do povo negro, que é feito de várias formas ao longo do tempo, seja segregando ou estimulando a miscigenação.
Na década de 1930, o então presidente Getúlio Vargas promoveu a educação eugênica nas escolas. Projeto que virou lei e foi parar na Constituição Federal de 1934, artigo 138.
A educação eugênica deveria fazer parte do conteúdo didático das escolas de todos os níveis, conscientizando os indivíduos da importância da procriação e do aperfeiçoamento da raça para o Brasil tornar-se uma grande nação.
Esse tipo de "educação" visava formar pessoas que excluíssem a integração entre raças, pessoas e classes sociais.
Difícil de acreditar... Mas está lá na antiga constituição, basta dar um Google para conferir.
Inspirado no projeto da estadunidense, Tiago Rogero fez algo semelhante em relação à história do Brasil: o Projeto Querino, podcast que reconta os fatos históricos brasileiros sob a ótica dos africanos e de seus descendentes.
Durante sua fala, Rogero lamentou que no Brasil muitas pessoas ainda não se reconheçam como negras. É um problema do nosso sistema educacional também. E o Projeto Querino, que acabou fazendo sucesso sem que Rogero pudesse imaginar essa repercussão toda, tem ajudado muita gente a se descobrir, e também a se situar sobre o próprio país. De acordo com ele, graças ao Projeto Querino, muitas pessoas descobriram que existe sim racismo no Brasil.
E ainda sobre as questões do povo africano, teve mais falas, que - claro - denunciam negligências do nosso sistema de ensino. Não são negligências na verdade, mas sim uma política de exclusão mesmo.
Dentro do tema "A educação como transformação da sociedade", especialistas de diversas áreas discutiram o papel da educação em uma sociedade mais desenvolvida, justa e democrática. Participaram Daniel Santos (USP), Paulo Fochi (Unisinos) e Ynaê Lopes do Santos (UFF), com mediação de Antônio Gois (O Globo/Jeduca).
Ynaê falou sobre a política de ausência nos livros didáticos - que persiste até os dias de hoje - da real história do povo africano no Brasil. Batalha que ela tem encarado de frente e divulgado por conta própria.
Professora de História da América da Universidade Federal Fluminense (UFF), Ynaê é bacharel, mestre e doutora em História pela Universidade de São Paulo (USP). Suas áreas de pesquisa tratam da história da escravidão nas Américas, bem como o estudo das relações étnico-raciais no continente americano e também do ensino de história da África e da questão negra no Brasil, com livros publicados nessas áreas. Também é membra executiva do Brasa, editora da Revista Tempo, colunista da DW Brasil, consultora do Projeto Querino e administradora do perfil do Instagram @nossos_passos_vem_de_longe. É ainda autora dos livros “Além da Senzala - Arranjos escravos de moradia no Rio de Janeiro 1808-1850”, “História da África e do Brasil Afrodescendente”, “Juliano Moreira: o médico negro na fundação da psiquiatria brasileira” e “Racismo brasileiro - Uma história da formação do país”.