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Pesquisador afirma que escolas brasileiras praticam racismo educacional

20/11/2023


Pesquisador afirma que escolas brasileiras praticam racismo educacional


Por Daniela Jacinto*, equipe Estudos em Sorocaba & Região


Racismo educacional. É isso o que tem acontecido no interior das escolas brasileiras, de acordo com observações do pesquisador Ademir Barros dos Santos, coordenador da Câmara de Preservação Cultural do Núcleo de Cultura Afro-Brasileira da Universidade de Sorocaba (Uniso), e mestre e doutor em Educação pela UFSCar, com pesquisas desenvolvidas sobre africanidades, tendo como foco a religiosidade de matriz africana.


Para quem não sabe o que é racismo educacional, de acordo com Ademir, é aquele que impede que a Lei 10.639 de 2003, ou seja, mais precisamente o artigo 26 A da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) seja de fato cumprida nas instituições escolares. A lei determina com que a história e a cultura africana e afro-brasileira esteja nos currículos de todas as etapas do ensino nacional. “Depois, em 2008, veio a Lei 11.645 que abrange também a história e cultura indígena, mas nada disso entra no currículo”, lamenta.


O motivo que alegado, afirma ele, é inaceitável. “Dizem que não tem professores preparados para isso. Não tem porque não quer. Se desde o início tivesse acontecido o que a lei determina, teríamos 20 anos de formação. Vou dar um exemplo, se apenas uma faculdade de Pedagogia formasse 30, 40 professores nessa área, quanta gente hoje já teria recebido formação na escola?”


Outra coisa que alegam, ainda de acordo com Ademir, é que falta material didático. “O que mais tem é material voltado a esse tema, sejam livros, pesquisas acadêmicas ou mesmo publicações na internet. Tem de monte, é só procurar. O que não tem é vontade e por que não tem vontade? Porque existe o racismo. É o racismo que impede”, completa.


O especialista conta que está cansado de ouvir relatos e presenciar situações que o fazem sempre ter a certeza de que anos se passam e nada muda. “Quando se fala em estudar qualquer coisa de africanidade na escola já vem um palhaço qualquer dizendo que vão falar de macumba e ele nem sabe o que quer dizer a palavra macumba. É assim, as pessoas são acostumadas a demonizar o conhecimento da religião de matriz africana que nem tem demônio nessa religião. Ninguém nem sabe disso porque tem racismo religioso que se reflete no racismo escolar”.


Ademir reconhece que há algumas iniciativas nas escolas, tem professores que lêem literatura afrobrasileira para crianças, que tentam mostrar a cultura africana, porém são sempre trabalhos pontuais e não estão atrelados a projetos mais consistentes, e principalmente, duradouros. “Mesmo que se tenha uma educação antirracista nos primeiros anos da escola não tem continuidade. É preciso trabalhar o antirracismo de forma leve, desde os primeiros anos escolares. Isso falta na escola. Não existe um projeto, uma intencionalidade de trabalhar o racismo desde os primeiros anos, sabe”.


O pesquisador observa que a criança, quando começa o letramento dela e vai aprender para se inserir na sociedade, passa a imitar a sociedade. Então, começa a ser separatista. A ideia é se enquadrar na sociedade, então aprende que é “branco contra preto, rico contra pobre”. 


Ademir afirma que a criança em si não tem essa noção, mas ela convive num ambiente que tem essa noção. “E grande parte da educação em si, e não do ensino, se aprende com os procedimentos sociais. Quando você começa a ver que seus parentes, seus vizinhos, têm um tratamento diferente com as pessoas negras, começa a ver que ser negro não é grande coisa, né?”


Para ele, o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, não é um nome muito adequado. “Mas é um nome de impacto, que diz sobre a consciência de nossa negritude, porque desde 1500 temos um apagamento de tudo o que foi feito pelos negros e indígenas.” 


Devido à hegemonia branca europeia, complementa o pesquisador, é que as pessoas em geral não sabem o que foi feito pelos povos africanos e indígenas. E a data de hoje é, para ele, um momento para rever isso, refletir sobre a produção da negritude. “É um dia de discussão, um dia que nem precisaria existir se a nossa sociedade não fosse tão hierarquizada, não tivesse uma hegemonia branca que se baseia no racismo, numa excludência, numa hierarquização em função de origem.”


O pesquisador lamenta que ainda tenha um grupo de pessoas que se apresenta como superior a todos os outros. “Aliás, não só superior, mas fazendo com que os outros desapareçam, sejam subestimados, quando não endemonizados, como é esse racismo que se diz estrutural, mas é na realidade estruturante, principalmente no aspecto religioso”, diz Ademir, complementando que isso vai estourar na educação, onde se tem um racismo educacional, não tendo nada que fale nas escolas sobre a produção negritude. “Daí a necessidade de se falar da consciência negra”, finaliza.

Ao invés de ajudar, ainda podem atrapalhar

Ao invés de ajudar, ainda podem atrapalhar


A pesquisadora da cultura afrobrasileira com foco em quilombos Andréia Oliveira (na foto ela aparece no centro, durante vivência da cultura de Angola), afirma que a Lei 10.639, de 2003, está aí para obrigar o ensino da história e cultura africana e afro-brasileira, mas não há vontade. “Esse processo também acontece dentro das universidades, que invisibilizam os povos negros e indígenas”, diz.


Conforme Andréia, os educadores que estão nesses espaços precisam se conscientizar que numa sala de aula podem inclusive acabar fortalecendo o racismo estrutural, às vezes usando palavras e termos que nem pensam no real significado, então é preciso ter essa sensibilidade.


Ela indica como leitura o livro “Pequeno manual antirracista”, de Djamila Ribeiro, que exemplifica as palavras preconceituosas. “Outro dia alguém falou ‘virou um samba do crioulo doido’, veja só, uma única frase mostra o homem negro como doido, pessoa que não é de confiança, e demoniza ou negativiza a cultura que é o samba", afirma.


Quando um professor reproduz certas falas numa sala de aula, diz Andréia, são 30, 40 escutando. "E para uns vai doer, já outros decidem falar assim também pois o professor fala. O que falta nos professores é letramento étnico-racial. É serem alfabetizados nessa área, pois aí se policiarão mais.”

Ao invés de ajudar, ainda podem atrapalhar

Mestre em Estudos da Condição Humana pela UFSCar e professora de História há 30 anos na rede pública estadual, Andréia dá um exemplo do que pode ser feito para trabalhar com os alunos o ensino da história e cultura afro-brasileira, que é algo que ela mesma fez: levar a uma imersão junto de uma comunidade quilombola. 


Andréia foi com estudantes do ensino fundamental e médio até o Cafundó em Salto de Pirapora. “Alunos que nunca tinham visto um quilombo de perto se encantaram por estar vivendo experiências outras que não sejam somente aquelas contadas em livros didáticos, que muitas vezes prendem esse quilombo vivo ainda hoje em algo do passado colonial", conta.


Ela descreve que o encantamento foi visível ao tocar um atabaque, vestir a saia de chita e dançar na roda de jongo. "Aprender vivenciando o diferente em território de aprender, desconstruindo preconceitos, isso é educação antirracista”, pontua.


* Daniela Jacinto é jornalista e professora da rede pública

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