26/11/2023
Como se reconhecer como negro?
Por Daniela Jacinto*, equipe Estudos em Sorocaba & Região
“O Ademir tirou muita gente da branquitude e é o responsável pelo meu reconhecimento como negra”, conta a pesquisadora da cultura afrobrasileira com foco em quilombos Andréia Oliveira.
Andréia se refere ao professor doutor Ademir Barros dos Santos, coordenador da Câmara de Preservação Cultural do Núcleo de Cultura Afro-Brasileira da Universidade de Sorocaba (Uniso), que tem ajudado muitas pessoas nesse sentido.
Conforme ele, o processo de se reconhecer como negro passa simplesmente pela questão da informação. “No caso da Andréia, ela me conheceu dando um curso de Africanidades”, recorda.
Durante o curso, Ademir explicou sobre a história da África, como era aquela sociedade, como é que os africanos foram trazidos para o Brasil, como eram tratados, como viveram… “E muitas pessoas começaram a se reconhecer como negras. Professores, inclusive, vieram falar que têm avós negros. Entender mais sobre o tema faz com que ser chamado de negro deixe de ser vergonhoso”, destaca o pesquisador.
Para professores que irão trabalhar o tema em sala de aula, Ademir orienta que em primeiro lugar desmistifiquem a história do povo negro, o que significa contar quem eram e como viviam na África até serem sequestrados. Também é preciso falar sobre o quanto essas pessoas fizeram pelo Brasil.
O pesquisador ressalta que para esse tipo de aula deve-se ter de fato conhecimento. “Não adianta apenas passar informação, tem de ter a proposta de formação, tem de contextualizar, ter um projeto, uma continuidade que faça com que os estudantes se reconheçam com aquilo que está sendo transmitido”, afirma.
Se tudo for feito de acordo com o que foi orientado, Ademir acredita que mais pessoas percam o medo de se reconhecer, afinal ninguém quer ser negro em uma sociedade que ensina, por meio de falas, que deve-se ter “cuidado com aquele negro crioulo porque é favelado e favelado é tudo bandido", pontua.
Ademir afirma que descobertas e pesquisas têm reforçado cada vez mais de que todos temos a mesma origem. “Hoje sabemos que o mais antigo ser europeu inglês era um negro de olhos azuis, que existiu uma mutação genética para a pele ficar mais clara com o passar do tempo, então essa e outras informações vão desconstruindo a ideia de inferioridade, tirando o negro desse estigma. Porém é necessário ter segurança para promover esse tipo de discussão, ter conhecimento”, afirma.
O que Ademir quer dizer com tudo isso é que é preciso sair do superficial. “Ajudar a pessoa no processo de reconhecimento é ela se reconhecer como negra e ter o prazer de ser”, diz.
Não é justo um ser humano viver a sua vida inteira com medo e estigmatizado. “O discurso raivoso precisa acabar na nossa sociedade. Tem gente que, em universidade, a gente vai falar de africanidades e sai da sala, não quer aprender. A formação está sendo impedida porque não entra nas escolas, e nas vezes que entra, ou é fragmentada, sem projeto algum, ou a pessoa não quer nem saber.”
Outro passo para que alguém possa se reconhecer como negro é quando o tema é trabalhado na escola com afetividade. “É preciso usar exemplos positivos, para desconstruir preconceitos pois podem servir de barreiras. Se for feito assim, a criança vai crescer com a ideia de afetividade, de diferença como complementariedade e não como inimizade”, ressalta.